Eu não gosto de falar disso, mas acabei de escrever sobre ponto de vista e essa é uma daquelas coisas que põe a vida em perspectiva.
Fui praticamente criada pela minha avó e a via todos os dias até meus 17 anos. Eu não sei quando a doença começou, mas foi depois disso.
A minha vó sempre cuidou de todo mundo. Tem cinco filhos e sete netos. Cozinhava todos os dias, bordava, tricotava, lia revista de fofoca, ia à feira, ao supermercado, ao médico. Tudo sozinha, ou, às vezes, em minha companhia.
Lembro que íamos ao supermercado e depois passávamos na papelaria onde ela me comprava um carimbo.
Lembro também quando ela me buscava no jardim de infância e comprava uns salgadinhos amarelos “de isopor” que eu adorava.
Lembro quando ela fazia pão frito ou batata com ovo cozido para eu ver Chaves.
Lembro quando ela contava as histórias da infância dela em alguma das várias cidades em que ela morou.
Ela não lembra de nada disso. Ela nem sequer pode ser testada. Como diante de uma criança pequena, é preciso medir as palavras sob o risco de provocar medo, violência ou confusão mental.
Eu não sei nada sobre essa doença, mas acho que mesmo ela desconhecendo meu rosto e meu nome ela ainda mostra o mesmo afeto e carinho que antes.
Fotos: Gettyimages
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